Crime e Castigo e O bem e o mal na Psicologia Analítica
- Bruna Monteiro
- 15 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

No famoso romance de Dostoiévski, deparamo-nos com a história de um jovem estudante universitário russo, no fim do século XIX, que, em meio a dívidas, depressão e isolamento, decide cometer um crime. Raskolnikov é estudante de Direito e se sustenta com aulas particulares, além da pouca ajuda que a mãe consegue enviar. Sua irmã planeja casar-se apenas para garantir a segurança financeira dos três. Nesse contexto, ele se sente desmoralizado e um peso para a família.
Sem perspectivas, entra em um estado de melancolia: deixa de frequentar as aulas, abandona o trabalho, passa os dias deitado no escuro, em seu divã, no quarto de pensão. As contas se acumulam, mal se alimenta, vive em devaneio e isolamento. Um dia, ouve falar de uma velha que penhora objetos, descrita como avarenta, cruel, que maltrata a própria irmã e explora os necessitados sem piedade. A partir dessa conversa, uma ideia se instala: assassiná-la e roubá-la.
Após certo impasse, planeja o crime a sangue frio. Mas assim que o comete, não se reconhece nele e enlouquece. Esconde as joias debaixo de uma pedra e não as usa. Fica paranoico, tem desmaios, afasta-se ainda mais dos outros, torna-se incapaz de admitir, para si mesmo ou para os demais, o que fez. Ou por que o fez.
Certamente, se Raskolnikov tivesse melhores condições materiais, não estaria tão vulnerável ao crime. Por outro lado, é inegável que dívidas não são sinônimo de assassinato, e ele mesmo afirma que não matou por dinheiro:
“Se fosse só a necessidade que me levasse ao crime eu seria agora feliz”. “[…] quem confiou a mim a vida ou a morte dos outros?”
Ele planejou e executou um assassinato a sangue frio. Não foi apenas o desespero: ainda havia caminhos possíveis. Introvertido e idealista, criou até uma justificativa moral para o crime. Acreditava que as grandes figuras da humanidade faziam história ao romperem com a ordem estabelecida, em oposição ao homem médio que seguia as leis; Desejava não ser um homem comum, tomado por ressentimento e inflado por um complexo inconsciente de poder, julgou ter o direito de matar. Mas logo percebe que se enganou. Era tarde demais:
“E por ventura matei a velha? Não, a mim mesmo é que matei e perdi-me sem remédio… Quanto a velha, foi morta pelo diabo, não por mim…”
Seria ele, então, merecedor da morte ou da prisão perpétua? Mesmo tendo a sociedade falhado em garantir seus direitos básicos? Mesmo tendo cometido o crime num momento de vulnerabilidade e com arrependimento logo após?
À luz da psicologia analítica, bem e mal são conceitos relativos, dependem de quem julga e do ponto de vista adotado. Será possível fazer um julgamento objetivo sobre o outro e suas atitudes e, com base nisso, determinar seu destino? Classificá-lo como mau, condenável?
Em O Bem e o Mal na Psicologia Analítica, Jung escreve:
“Quando se fala do bem e do mal, trata-se daquilo que alguém entende por bom ou mau. […] Bem e mal são princípios em si, […] e um princípio existe muito antes de nós e se estende muito além de nós, […] são um fato cuja natureza mais profunda nós realmente desconhecemos.”
Talvez o maior perigo não esteja apenas no mal que há no mundo, mas no mal que negamos em nós mesmos. Ao negá-lo, ele se disfarça, muda de nome, se esconde atrás de ideais e, sorrateiramente, nos governa. Reconhecê-lo não é sucumbir, mas impedir que ele nos domine sem que percebamos. Como ocorreu com Raskolnikov, o mal que não é visto não desaparece, apenas se volta contra nós. Talvez o início da verdadeira justiça seja ousar olhar para a própria sombra, antes de julgar a do outro.
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